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Rodriguinhos

Rodriguinhos

Primeiro CAMIÑO da minha vida!

Avatar do autor Rodriguinhos do Rodrigo, 05.02.20

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Desde a minha adolescência que sonhava ir a Santiago, mais pela profunda fé católica e pela fama de centro de peregrinação. Os anos passaram...casei, fui pai 3 vezes, um restaurante e o sonho adormeceu. Entretanto no ano do Jublieu da Misericórdia com uma oportunidade surgiu novamente o desejo de “ir a Santiago a pé” ...encontramos muita gente que também quer ir, e que até ficam entusiasmadas, mas quanto mais real se torna a aventura mais distante as vemos a acompanhar-nos e a meter pés ao caminho. Tive a sorte, benção talvez (!?!) De um conhecido ( não o considerava muito próximo nem tão pouco estava a vê-lo a ser a força motivacional que me faria ir a Santiago, mas o que é certo é que bastou essa pessoa dizer uma data concreta que o clique se deu e pensei...é desta mesmo que Vou! Começam os preparativos ( só de mochila e do que levar, porque não fiz qualquer caminhada!!!) de quem nunca tinha sequer acampado na vida, e quem na altura sobrevivia num sedentarismo mórbido que me tinha levado aos 96 kg ( tenho 1,71m). Só pensava nos problemas que poderia ter a nível físico! Será que iria acompanhar a passada do meu companheiro de caminho, que já tinha sido escuteiro e que também tem o hobby de Bombeiro? Bem, estava descansado pelo menos os primeiros socorros estavam assegurados! Será que me vou desiludir ao chegar lá? Será que vou chegar? A Meta era o que me preocupava, e a imagem com que seria brindado na minha chegada! Li muitos blogues antes de ir...com as mil e uma recomendações, e memórias da experiência. E no dia 27 de Julho de 2016 iniciámos a Aventura da minha Vida! O CAMINHO de Santiago é muito mais do que imaginámos, e por mais que eu queira ser fiel às descrições do que vi e vivi, há sempre um embargo que fica cá dentro que não se consegue descrever. Há dor? Há! E o 2º dia é o pior, principalmente quando no 1º dia alguém se arma em super herói e faz 2 etapas no mesmo dia!!! As minhas coxas latejaram e tinham espasmos involuntários, cheguei a fazer de algumas cadeiras de esplanada um andarilho!!! Dormi melhor nos albergues carregados de gente e com lençóis de emergência, do que naqueles que tinham condições fabulosas e lençóis de tecido!!! Muita coisa passou pela minha cabeça, e aos poucos apercebi-me que a reflexão ia resolvendo assuntos...assuntos que levei como verdadeiros calhaus, e outros penedos gigantes...mas que aos poucos se tranformaram em pedras que se desgastavam e viravam poeira...poeira que ficava para trás, no caminho! Foram 8Kg às costas todos os dias, e sinceramente o corpo deve-se ter habituado porque das costas nunca me queixei...ou às tantas as dores espalhadas desviavam a atenção das dos ombros e costas... Vi amanhecer todos os dias, e o vigor que isso nos dá... tomei o melhor pequeno almoço da minha vida numa eira debaixo de uma ramada cheia de peregrinos de todos os países! Mergulhei em Caldas dos Reis num tanque a 40º e acreditem saí de lá revigorado!!! E quanto mais perto estava, mais longe desejava estar...para que aquela sensação que nascia em mim não acabasse! Não me perdi...nem em momento algum houve a sensação disso, portanto sigam as setas amarelas e garanto que chegarão à Praça do Obradoiro! E quando chegamos lá? e quando cheguei lá!! - a sensação é avassaladora - por mais que queira definir num só sentimento é impossível, porque tudo descarrega e volta a carregar nesse momento! Foi a sensação de não me sentir perdido, nem tão pouco longe de casa... sabia de onde vinha e por onde tinha vindo! foi sentir fundo uma tristeza e um medo ...triste por ter acabado o caminho, e medo que as rotinas que havia deixado em casa e na minha vida tomassem conta de mim novamente! Não queria deixar de sentir aquela sensação que eu sabia que não era só fruto do momento...era fruto do Caminho. E eu não queria acabar o Caminho! Reparei que tudo que passei no caminho era mesmo o que tinha de estar reservado para quem nem sequer se tinha preparado minimamente para a maior parábola físca e emocional da minha vida! - que os momentos de riso, ou silêncio eram naturais...que uma fonte de água, quando no cantil já não há nenhuma e debaixo de 38º é o que nos basta para sermos saciados até à alma! E tudo ao som do Grabriel's Oboe (ou na versão mais popularucha Nella Fantasia) do Morricone numa gaita de foles! Entrei na Catedral pela Porta Santa, abracei a imagem do Apóstolo como se fosse o meu próprio Pai, que tinha morrido dois anos antes, e parecia que depois do tanto que andei tinha finalmente chegado a casa, a ele e a mim! Vivi aqueles dois dias em Santiago intensamente, sentia que ali, naquele lugar havia de ficar guardado e a salvo para sempre algo de mim que não queria deixar para trás! 
 As palavras na missa do peregrino, tocam-nos a essência, lembro-me ainda de uma frase ( que deve ser repetida em todas as celebrações, mas que para mim foi a primeira) que era: - chegou a hora de tudo que viveram neste caminho, levarem para o verdadeiro caminho - as vossas vidas , as vossas casas e as vossas famílias! Depois chegou o momento do Botafumeiro, para quem não sabe, (eu duvido que alguém não saiba) é um turíbulo gigante, que incensa toda a igreja, completando um ângulo de 180º na nave transversal (portanto quem for á missa os melhores sítios para apreciar o movimento do Botafumeiro é nos bancos do transepto e não na nave central, até porque é aí que costumam estar reservados os primeiros bancos para peregrinos devidamente identificados! Acreditem que o vosso estado, como se apresentam diz tudo, a mim por exemplo ninguém perguntou se era peregrino, e fiquei mesmo no banco da frente! - a vieira ao peito e um chapeu “à Santiago” cravejado de pins deve ter-me denunciado! - Lembro-me que fiquei ao lado de peregrinos ingleses, que no momento que entraram os 8 homens que puxam as cordas para dar balanço ao engenho, um deles, o que estava ao meu lado, baixou a cabeça incrédulo e chorou copiosamente, sempre de olhos no chão enquanto nos sobrevoava o abençoado Botafumeiro! Foi mais forte que eu o instinto de abraçá-lo, embora não o conhecesse, porque sei o quão grande aquele momento era, e quão pequeno ele se sentia... éramos diferentes na língua e na história de vida, mas iguais naquele sentimento!
Há um sorriso de cumprimento entre todos que encontramos e reencontramos  pelo caminho e em Santiago...é singular esta empatia pura e sã! Depois de sair da catedral, e antes de deixarmos Santiago, há rituais, e como sou faço por cumprir todas as tradições! Saí pela porta que dá para a Praça das Platerías e é nesse portal do lado esquerdo, que se encontra a estátua do Rei David, e como manda a tradição passei a mão nos seus pés, manifestando a vontade de lá regressar ! No mesmo pórtico, olha-se para o centro, e no topo das colunas lá está...o alfa e ómega invertido, que significa, que o Fim é um Início. Sentia-me profundamente ligado àquele sítio, dei voltas e voltas de despedida, para rever este ou aquele canto, esta ou aquela praça. A última imagem que trouxe na memória, por acaso foi de uma imagem na igreja de S. Francisco (que já tinha visitado no dia anterior quando as luzes dos altares estavam desligadas, e essa imagem encontra-se na parte debaixo do altar do Sagrado coração de Jesus, onde encontrámos na maioria das igrejas a imagem de Cristo Morto), e no momento que andava na igreja, deviam ser 15h acenderam as luzes dos altares e lá fiquei eu embevecido com a imagem de um menino Jesus a dormir abraçado a uma cruz! Uma vez mais o princípio e o fim ligados...sem dúvida que um novo caminho estava a nascer! E era o que sentia , que tinha chegado ao fim de algo, mas que o que estava a começar era muito maior, porem ainda não identificava o que era na realidade, porque a realidade estava longe...estava a 237.7 Km de distância, no dia-a-dia que me esperava! E lá fui eu de mochila às costas até à estação de Santiago, num misto de emoções que sinceramente acho que dificilmente irei viver novamente. Era saudades de casa e ao mesmo tempo saudades já de Santiago! E agora? E Depois disto?- Pensava eu... e lá vim, no comboio a escrever e a chorar quase toda a viagem! Chorei muito, porque não queria que aquele sentimento em mim  acabasse...eu não sentia que estava a acabar, pensava é que tudo tinha ficado lá...em Santiago!  O caminho muda-nos, creiam que nos muda mesmo, mas também acreditem que o Caminho está em nós e é para nós que afinal caminhamos!
Depois de regressarmos de Santiago, os primeiros dias foram estranhos, de uma difícil acomodação! Tudo parece pequeno. Uma vez li que é a mesma sensação de "chegarmos ao nosso guarda-roupa e nenhuma das roupas nos servir ou nos assentar"! E concordo plenamente! Sentimos que estamos maiores que aquilo que nos rodeia...a nossa liberdade ultrapassa os limites do mundo que deixámos para trás quando fomos! Comigo por exemplo foi engraçado porque cada conversa que eu tinha com a minha mulher reparava que ela me abordava com frases em função de uma pessoa que eu conhecia...mas que já não era eu, não eram precisos tantos rodeios para me convencer!!! É estranho explicar, mas acredito que muitos de vós que fizeram o Camiño percebam aquilo que estou a dizer! Eleva-se o lado prático, directo e transparente!
E o medo de que as rotinas me voltarem a contaminar está sempre lá... a cada passo em que se enfrenta o quotidiano que foi e é a minha vida. Mas também há uma honestidade de mim para comigo  que nunca tinha tido, uma liberdade interior que nos deixa respirar quem somos. No fim de contas, foi comigo que estive mais tempo durante o Caminho... e esse tempo...o som dos passos no caminho... a envolvência do silêncio da Natureza, fizeram com que eu fosse ao fundo daquilo que sou! Não vou dizer que sou melhor ou pior...que descobri que sou um ser humano excepcional ou um calhorda, sei apenas , mais do que nunca aquilo que sou, e o que posso contar comigo! Afinal sou a pessoa que mais vou ter de aturar a vida toda! Conversei muito comigo, durante as minhas dores nas coxas, e senti muitas vezes o desejo de prolongar o momento de chegada, porque afinal os preparativos é que têm graça...e afinal eu, como tantos outros, tememos a chegada...aquela que significa o fim...e o vazio e incerteza de como será a vida depois!
Algumas vezes nestes anos, surgiram situações que me remeteram a este ou aquele episódio que vivi no caminho!  E a força da minha atitude está na verdade com que reajo a eles no dia-a-dia, porque fui EU que a vivi um dia , porque fui EU que a senti em algum passo do Caminho para Santiago!
Nunca mais fui o mesmo tonhó com duvidas de arriscar "viagens", dormir ao relento, sair sem rumo ( nas leituras mais metafóricas possiveis) - Santiago foi e é um marco na minha vida!!
Este ano faz 4 anos e sinto que em nada a rotina me corrompeu, e afinal faz algum sentido a sensação que tive de continuar o caminho. porque sinceramente não vos vai apetecer acabar ali, na Praça do Obradoiro! O Caminho é muito mais que uma peregrinação...há uma descoberta, e uma vivência que só pode ser vivida por quem se quer deixar Viver! Contado acreditem, nada vale perante a Experiência Única que é fazê-lo!!!

Bon Camiño
Ultreia et Suseia


O meu Camiño